Polêmica das custas judiciais no TJ-RJ: a Lei 9.507/21 e os limites da Constituição
Data de criação: 19/01/2022 - 13:17:00
Em que pese as críticas ao projeto de lei, o governador do Rio de Janeiro, Claudio Castro, sancionou, em 9 de dezembro de 2021, a Lei 9.507/21, que altera e complementa a Lei 3.350/99 (que dispõe sobre as custas judiciais e as taxas cartoriais) e o Decreto-Lei 05/75 (Código Tributário do Estado).
O partido Podemos ajuizou no Supremo Tribunal Federal uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI 7.063), já sob a relatoria do ministro Edson Fachin, para questionar os dispositivos da lei estadual sob o argumento de que a mesma criou punição processual não prevista na legislação federal, em usurpação de competência da União, questionando ainda a permissão conferida ao TJ-RJ para criar taxas dobradas por mera resolução para causas sobre as quais a lei não estabeleceu qualquer critério objetivo.
Já a Ordem dos Advogados do Brasil, seção do estado do Rio de Janeiro, propôs uma representação por inconstitucionalidade que tramita no Órgão Especial do TJ-RJ e foi autuada sob o número 0096723-47.2021.8.19.0000, com relatoria da desembargadora Maria Augusta Vaz Monteiro de Figueiredo. O processo ainda se encontra pendente de apreciação do requerimento de concessão da medida cautelar, o que somente deverá ocorrer após a oitiva da Assembleia Legislativa do estado do Rio de Janeiro, do governador do estado e também ao presidente do Tribunal de Justiça.
Sustenta a OAB-RJ que a Lei Estadual 9.507/2021 está eivada de inconstitucionalidades materiais, já que viola, além de outros princípios, o não confisco e a capacidade contributiva, além da inconstitucionalidade formal por violação aos artigos 98, §2º, e 145, II, da Constituição Federal e ao devido processo legislativo, argumentando que não foram demonstrados ou expressamente debatidos os custos do serviço prestado ao usuário, ensejando a necessidade de fixação, revisão e aumento do valor das custas judiciais.
Sem qualquer pretensão de vaticinar as tendências dos julgamentos, vamos aos fatos! Não há de se questionar a competência legislativa estadual para disposição acerca de custas judiciais, contudo, aqui, a indagação que caberá ao Supremo Tribunal Federal, e ao próprio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, responder é se existe relação entre as instituições e/ou majorações de custas judiciais prescritas na Lei 9.507/2021 com a natureza do serviço prestado. Podem os estados instituírem sanções processuais não previstas na legislação federal?
A nova lei prevê que na hipótese de paralisação processual ou abandono por culpa exclusiva das partes, de recursos ou incidentes processuais meramente protelatórios, bem como de ausência injustificada em ato ou audiência, os responsáveis poderão ser condenados a pagar até o décuplo do valor das custas processuais devidas.
Parece-nos que tal previsão contida no artigo 15-A da lei estadual, utilizando a rubrica de se estar tratando de custas judiciais, na verdade, cria uma verdadeira sanção processual, que passa a existir apenas no âmbito do Estado do Rio de Janeiro e que não guarda relação com a natureza do serviço prestado.
A Lei estadual 9.507/2021 prevê ainda que o valor das custas judiciais será dobrado aos litigantes contumazes sucumbentes (autor ou réu), conferindo ao Órgão Especial do tribunal a questionável competência de decidir sobre qual seria o limite razoável de processos em que a pessoa natural ou jurídica poderia litigar. Imaginemos aqui a absurda hipótese de impor aos fornecedores em cadeias de consumo um custo maior para litigar apenas por figurarem no pólo passivo de demandas. Ou seja, além de ser compelido a participar de demandas, muitas delas sob o benefício da gratuidade de Justiça e patrocinadas por “maus advogados captadores”, as empresas teriam um ônus adicional no que tange ao pagamento de “custas especiais”.
Necessário asseverar que a Constituição Federal estabelece, em seu artigo 98, §2º, que as custas e emolumentos serão destinados exclusivamente ao custeio dos serviços afetos às atividades específicas da Justiça. Portanto, a instituição de novas taxas deve ser destinada ao custeio das atividades judiciais, e, por via de consequência, as suas bases de cálculos precisam refletir a real grandeza de custo, sob pena de viabilizar a discussão acerca da utilização da taxa judiciária com meros fins arrecadatórios desvinculados de uma atividade a que se pretende de fato contraprestacionar.
A lei estadual ainda prevê o estabelecimento de multa por inadimplemento tributário da taxa judiciária no patamar de 100% do próprio valor devido, sendo que tal desproporção entre a obrigação principal e o instrumento destinado a compelir o devedor a adimplir com tal obrigação pode ser entendido como efeito confiscatório, vedado pelo princípio constitucional do não confisco, consagrado no artigo 150, II, da Constituição Federal.
A despeito de não se questionar a competência legislativa estadual para disposição sobre custas judiciais, cumpre-nos aguardar ansiosamente o desfecho desses julgamentos, quando finalmente teremos o pronunciamento judicial acerca das prescrições trazidas na Lei 9.507/21 e os limites impostos pela Constituição Federal.