Mediação de sucesso no STJ reforça possibilidade de solução consensual em qualquer fase do processo
Data de criação: 01/06/2020 - 08:40:00
Quando um recurso aporta no Superior Tribunal de Justiça (STJ), normalmente está carregado por um sem-número de páginas que revelam alta carga de litigiosidade, mas nada impede que, no âmbito de uma corte superior, as partes encontrem na negociação a melhor saída para encerrar seu conflito.
Prova disso é o recente acordo firmado por um ex-casal, separado de fato desde 2011, que concordou em se submeter a um procedimento de mediação ao longo do ano passado. O resultado foi o encerramento de pelo menos 15 ações civis e de família em diferentes instâncias judiciais, incluindo um recurso especial recebido pelo STJ em 2013, que tramitou em segredo de justiça.
Para a realização do complexo acordo – que envolveu definições sobre transferências de cotas empresariais, indenizações, pagamento de dividendos e partilha de bens –, o relator do recurso especial, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, sugeriu como mediadores o ministro aposentado do STJ Aldir Passarinho Junior e a advogada Juliana Loss de Andrade Rodrigues, os quais foram aceitos pelas partes.
Segundo o ministro, a ideia da mediação surgiu após a análise de diferentes recursos oriundos do mesmo processo de partilha, sem que a ação principal tivesse sido decidida ainda em primeiro grau. Além da possibilidade de prolongamento do conflito, Sanseverino destacou que o caso envolvia não apenas o antigo casal, mas também os filhos e uma parte da família.
“Nesse caso, o melhor não seria a decisão convencional, mas sim a solução negociada, que fosse fruto de uma mediação que envolvesse não só o casal, mas toda a família. O relato que nós recebemos é que as partes ficaram extremamente satisfeitas com a mediação”, apontou o ministro.
Confiança
De acordo com Juliana Loss, o procedimento de mediação exigiu, além do preparo dos advogados e dos mediadores, a construção de uma relação de confiança com as partes. Segundo ela, é comum que os litigantes, antes de se dirigirem à mediação, já tenham participado de negociações frustradas, o que torna ainda mais difícil fazer com que acreditem na nova tentativa.
Além disso, Juliana Loss lembrou que situações complexas como as tratadas no caso envolvem, muitas vezes, questões empresariais, familiares, sucessórias e emocionais, com disputas que às vezes ultrapassam o âmbito civil para chegar à esfera criminal. Outro desafio importante, segundo a mediadora, é lidar com os diferentes perfis envolvidos na negociação e minimizar os ruídos de comunicação.
“O papel da mediação é justamente auxiliar nesse fluxo de informação, já que a solução de questões assim – ainda que para alguns possa parecer – não surge de saídas óbvias. Nessa específica mediação, a confiança das partes foi fundamental. O rapport e a conexão entre as partes – que eram várias – e os mediadores, desde o início do procedimento, foram essenciais. E ressalte-se que isso só foi e é possível com o apoio dos advogados das partes”, resumiu a mediadora.
Incentivos
O procedimento de mediação, que exigiu uma série de encontros presenciais, durou cerca de um ano e envolveu 18 signatários – entre pessoas físicas e jurídicas, além de nove sociedades de advogados que atuam ou atuaram nas ações.
Segundo o ministro aposentado Aldir Passarinho, os resultados positivos do acordo refletem a posição do STJ como grande incentivador do instituto da mediação. Esse incentivo – ressaltou Passarinho – tem ocorrido tanto no plano prático como na órbita acadêmica e propositiva, tendo em vista a crescente participação dos ministros em seminários, comissões legislativas e publicações sobre o tema.
No caso concreto, Aldir Passarinho destacou a disposição do ministro Sanseverino em buscar a solução não só do recurso em trâmite no STJ, mas também das demandas em outras fases, o que exigiu a interlocução com os magistrados responsáveis.
“Foi muito importante a disponibilidade para uma homologação abrangente do próprio ministro relator, englobando todos os processos em andamento, incluindo aqueles em tramitação nas instâncias de primeiro e segundo graus, bem como a rapidez como isso se deu – o que proporcionou um encerramento linear imediato das contendas principais e acessórias”, afirmou.
Movimento crescente
O acordo supervisionado pelo STJ acontece em um momento em que as estratégias para solução consensual dos conflitos ganham ainda mais força diante do crescente congestionamento da Justiça.
Com a experiência de 13 anos como membro do STJ, entre 1998 e 2011, Aldir Passarinho lembra que, em grande parte de sua carreira, as atividades de conciliar, acordar, transigir e renunciar eram previstas nas procurações dos advogados, mas pouco presentes na rotina forense, quase sempre focada em uma disputa sem fim.
Entretanto, Passarinho ressaltou que, recentemente, além de avanços legislativos nessa direção, houve mudanças nos programas dos cursos de direito – que passaram a adotar conteúdos relacionados às soluções consensuais – e incentivos à mediação por parte da Ordem dos Advogados do Brasil, movimentos progressivamente acolhidos pelo Judiciário.
Convívio pacífiauco
No âmbito legislativo, por exemplo, em seu artigo 3º, parágrafo 3º, o Código de Processo Civil de 2015 estabelece que a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual dos conflitos devem ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, em qualquer fase do processo judicial.
Segundo o ministro Sanseverino, os métodos alternativos de solução de litígios já têm sido adotados com sucesso há alguns anos, principalmente no primeiro grau de jurisdição.
Entretanto, no caso dos processos que chegam aos tribunais superiores, ele explicou que há uma dificuldade maior, pois, em vários deles, a mediação ou a conciliação já foram tentadas anteriormente.
Mesmo assim, especialmente em controvérsias familiares, de vizinhança ou societárias, o ministrou enfatizou que a decisão dada pelo tribunal pode resolver o processo, mas dificilmente vai solucionar o conflito original.
Para o ministro, a pacificação efetiva seria possível com a ampliação do uso da mediação, técnica que, diferentemente da conciliação – mais rápida e voltada apenas para o encerramento do processo –, privilegia o enfrentamento do problema na origem. Com esse procedimento, afirmou o ministro, é provável que as pessoas restabeleçam um convívio mais pacífico e civilizado.
“Na medida em que nós começamos a ter experiências bem-sucedidas no âmbito do STJ, há um estímulo às partes e aos advogados para optarem por esse tipo de solução”, projetou Sanseverino.
Amadurecimento
De acordo com Juliana Loss, ainda que a solução consensual represente a melhor saída – inclusive em termos de tempo e dinheiro –, às vezes, só com o transcurso da marcha processual as partes terão mais clareza sobre os impactos do processo em suas vidas e se sentirão preparadas para tomar decisões difíceis.
Por isso, mesmo que tenham ocorrido negociações infrutíferas no passado, a chegada do processo à instância superior, para a mediadora, não pode representar o fim da tentativa de uma solução consensual. “É um momento também em que as emoções estão mais estabilizadas”, comentou.
Apesar disso, para Juliana Loss, as cortes superiores não podem ser “mais do mesmo” em relação às soluções negociadas sob supervisão judicial, nem devem se limitar a repetir os procedimentos normalmente realizados nas instâncias ordinárias.
“Acredito que seu papel nesse âmbito é justamente resguardar a política pública de solução consensual em seus precedentes e considerar o sistema multiportas como uma premissa importante para a Justiça contemporânea, tal qual já preconiza a legislação vigente”, ressaltou a mediadora.
Flexibilidade
No mesmo sentido, para Aldir Passarinho Junior, a mediação no STJ pode ser proveitosa porque, entre outras razões, a autoridade responsável pela homologação integra uma corte nacional, que possui experiência para identificar casos adequados dentre os milhares de processos que recebe anualmente. Por outro lado, para o ministro, a grande demanda recebida pelo tribunal também exige a adoção de critérios de triagem para processos em massa ou com teses já julgadas, que poderiam ser direcionados à mediação.
Em relação à instrumentalização legal para a realização dos procedimentos de mediação, Passarinho acredita que a legislação atual é suficiente. Apesar da necessária base normativa, o mediador observou que é preciso evitar um regramento excessivo dos caminhos para a solução extrajudicial, pois eles exigem certo nível de flexibilidade.
“Lida-se com o ser humano e, mesmo em questões empresariais, sempre são pessoas que conduzem as empresas e, não poucas vezes, também negociam conforme as suas emoções. Daí, deve haver comedimento no estabelecimento de regras rígidas, excessivamente minuciosas ou bastante abrangentes. Em suma, deve-se evitar excesso normativo”, enfatizou.